Logo depois de presidir com maestria a primeira eleição presidencial após 25 anos de regime militar, o ministro Francisco Rezek, do STF e do TSE, recebeu um pedido formal da ONU para indicar um grupo de brasileiros, ligados ao sistema eleitoral, para atuar como observadores internacionais na eleição da Nicaragua no dia 25 de fevereiro de 1990. Ele indicou o meu nome, então seu assessor de imprensa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e os jornalistas que cobriram para os seus respectivos jornais e emissoras de rádio a eleição no Brasil de 1989: Ana Paula Macedo (O Globo), o saudoso Antonio Arrais (Estado de S.Paulo) e Sonia Filgueiras (Rádio Nacional).
Apos chegarmos em Managua, ainda no aeroporto, a ONU indicou para qual cidade cada um de nós iria acompanhar o processo eleitoral. Por sorte, eu e o Arrais ficamos na capital e Ana Paula e Soninha foram para pontos eleitorais próximos à capital. No dia da eleição eu e Arrais fomos para o endereço onde havia urnas eleitorais. Localização: rua da Arvore s/n. Ficamos atônicos.Como chegaríamos nesse endereço. O carro da ONU nos levou e passamos o dia na rua da Árvore. Os candidatos fortes para ganhar a eleição eram Violeta Barrios de Chamorro e Daniel Ortega.
A ONU nos identificou com camisas e crachás de fiscais eleitorais. Em várias oportunidades fui abordado por eleitores nicaraguenses e a pergunta era sempre a mesma, sempre feita de voz baixa e perto do ouvido: o voto é mesmo secreto? Não vão identificar o meu voto após colocar o papel na urna? Respondia que o voto era secreto e ninguém corria risco de ter o seu voto identificado. Sentia nitidamente que os eleitores ficavam satisfeitos e tranquilos com a resposta.
O dia passou. A noite foi chegando e nada do carro da ONU nos buscar de volta. Não havia telefone, meio de transporte e, literalmente, não sabíamos onde estávamos. Se perto ou longe do hotel. Arrais não falava outra coisa: quero una Victoria bem gelada. Victoria é a cerveja produzida pela Compañía Cervecera de Nicaragua, líder da cervejas no país. Quase não havia mais ninguém no local quando, para nossa alegria, apareceu o tão esperado transporte da ONU. Já havia me conscientizado que iria dormir na rua da Árvore. Um alívio. Chegando ao hotel fomos direto para o bar da piscina do hotel – eu e Arrais dividimos o quarto – para aliviar a tensão. Tomei meu refrigerante e o Arrais não sei quantas Victorias bem gelada.
Ainda estávamos em Manágua quando saiu o resultado da eleição presidencial: Violeta Chamorro, uma jornalista, candidata de oposição, saiu vitoriosa. Violeta cresceu numa família abastada e fez parte dos seus estudos nos Estados Unidos. Quando regressou à Nicarágua casou com Pedro Chamorro, celebre jornalista que herdara da família o jornal ‘La Prensa’. Como o jornal apresentava críticas a ditadura vigente de Anastasio Somoza, Pedro esteve várias vezes preso ou exilado. Em 1978 foi assassinado por ordens do ditador, que estava prestes a ser derrubado pela Frente Sandinista.