A história abaixo é contada pelo meu amigo Danilo Venturini, carioca, faixa preta de karatê, torcedor do Vasco da Gama e filho do general Danilo Venturini (também vascaíno), ex-chefe do gabinete militar e ministro extraordinário para Assuntos Fundiários, ambos os cargos no governo do presidente João Figueiredo. Segundo Danilinho – como é chamado carinhosamente pelos amigos mais próximos, apesar dele ter 2 metros de altura – nesses cargos, como no Conselho de Segurança Nacional, havia a realização profissional mas o stress da responsabilidade era muito maior.
“Nunca vi meu pai tão feliz e bem, como quando ele comandou o Batalhão de Guarda Presidencial (BGP). Por coincidência, o pai de Danilinho e o meu pai nasceram na mesma cidade, Itarana, no Espirito Santo. O general em 28 de novembro de 1922 e meu pai em 3 de setembro de 1931. Danilo Venturini faleceu em 12 de novembro de 2015, em Brasília, e meu pai no dia 25 de abril de 2020 no Rio de Janeiro.
Mas vamos a história contada pelo Danilinho, que reside nos Estados Unidos desde novembro de 1992:
Entre 0 e 10 anos de idade morei no Rio de Janeiro, onde nasci, e São João del Rey (MG), época em que meu pai ficou muito amigo do Tancredo Neves. Depois, já com 11 anos, fui para Brasilia onde cheguei com meus pais no dia 21 de abril de 1965. No Natal de 1966 voltamos para o Rio de Janeiro. Voltamos a morar em Brasília no dia 8 de abril de 1969. Quando no Rio de Janeiro, fui matriculado no colégio Militar do Rio. Foi o maior inferno da minha vida. Filho de um pai militar até à última gota, mas muito educado e ponderado, cheguei no colégio um ambiente muito nocivo. Os tenentes, sargentos, agrediam os alunos com palavras de baixo calão. Era um universo que não estava acostumado. Respondia na mesma moeda. Resultado: passei o ano de 67 e 68 detido nos finais de semana no Colégio Militar. Só não fui expulso porque era integrante da Banda Marcial e da equipe de atletismo. Então, o que eu perdia de pontos em comportamento por cada detenção, ganhava de elogios no atletismo e na banda marcial. Moravamos na rua Barão de Mesquita e em 1968, fui ver um jogo no Maracanã em que o Vasco perdeu de 4×0 ou 4×1 para o Botafogo que tinha o Bianchini, autor de vários gols. Comecei a fumar escondido do meu pai. Fui para o jogo com um maço de cigarro no bolso. Assistindo a partida, fui ficando revoltado porque o Vasco só tomava gol. Era uma tensão muito grande. Estava sentado na arquibancada junto com meu pai, um tio e um primo. Ja estava desesperado e brigando com Deus porque ele não fazia nada para ajudar meu clube, quando o Vasco tomou o quarto gol. Aí eu puxei um cigarro do bolso, coloquei na boca e acendi. Para o meu pai, fumar na frente dele era um desrespeito. Quando acendi o cigarro, ele imediatamente o tirou da minha boca, jogou no chão, pisou com força, pegou no meu braço e disse: “Você me respeite.” Nunca mais esqueci dessa cena.
Tem outra história boa: começou o ano de 1969 e o comandante do Colégio Militar chamado Dallet mandou chamar meu pai e disse “seu filho vai ser expulso porque está criando problemas seríssimos”. Meu pai, com aquela diplomacia, educação e ponderação que lhe eram peculiar, logo após o jantar me chamou para andar na rua Barão de Mesquita, em volta do Colégio Militar, para saber o que estava acontecendo. Revelei – se posso chamar assim – o bulling que sofria dos cabos, sargentos e tenentes. Meu filho, pelo amor de Deus, você nunca me falou isso! Pai, o senhor vai me perdoar, mas pra mim você é igual a eles. A imagem que eu tinha de militar era aquela. Ele quase caiu no chão e me falou, “Vamos fazer o seguinte: estou voltando para Brasilia, se comporta, fica calmo, que dentro de dois meses você vai voltar para Brasilia e vai estudar em um colégio civil.” Ao chegar na capital, fui matriculado no Ginásio Moderno, que perto do Colégio Militar era uma Boite. Nesse ano fui primeiro aluno de turma.
Eu acabei com a imagem de militar que tinha do meu pai quando, um dia já estudando no curso de Arquitetura da UnB, meu pai comandando o Batalhão da Guarda Presidencial – isso ocorreu entre 1974 e 1976, provavelmente em 1975, cheguei um certo dia para visitar meu pai no BGP. Eu usava tamanco do Dr. Scholl, calça boca de sino, camisa de hippie toda manchada, cabelo no ombro, barba, bolsa a tira colo cheia de material de desenho da faculdade. Passei pela guarda, bateram continência e eu respondi. Entro na sala do meu pai e ele estava falando com um cabo e um soldado, tratando ambos com fidalguia e muito respeito. Pude entao observar de perto o respeito que ele tinha pelos soldados, como ele se preocupava com a qualidade da vida deles. Da formação, à alimentação e à parte de saúde. Lembro que, nos finais de semana, ele ia até o hospital das Forças Armadas para visitar os soldados internados que haviam se machucado no campo ou na manobra. Então, vi um homem que, tinha, independente da hierarquia do cargo, um respeito profundo por aqueles seres humanos. Este é o meu depoimento. Abrindo o coração para o meu velho amigo Tamanini.”