No madrugada do dia 11 de maio de 1969, portanto há 53 anos, a favela da Praia do Pinto, localizada em uma das áreas mais valorizadas da zona sul da cidade do Rio de Janeiro, se tornou alvo prioritário da campanha de erradicar favelas que era movida pelo governo do estado da Guanabara. O gigantesco incêndio, ao lado do Clube de Regatas do Flamengo, na Gávea, dizimou as moradias e deixou cerca de 9 mil desabrigados. Até hoje paira uma enorme suspeita de que o fogo teria sido proposital, pois a área onde se localizava a favela, altamente valorizada, era de interesse dos especuladores imobiliários.Na área incendiada foi construído o atual condomínio, denominado pelos próprios moradores, de Selva de Pedra (alusão à uma novela da Tv Globo na época).
O Rio de Janeiro (então Estado da Guanabara) vivia sob a gestão do governador Carlos Lacerda que incentivou uma política de governo de retirada das favelas da Zona Sul. O incêndio caiu como uma luva para os interessados na remoção. A comunidade e seus moradores foram transferidos para o bairro de Cordovil, na zona da Leopoldina. Fisicamente aquele povo se afastava do Flamengo, mas os laços anímicos que passaram a unir o Flamengo e a favela permanecem intactos até os dias de hoje. Em 1969, de acordo com o Correio da Manhã, Praia do Pinto tinha 250 tendinhas, três escolas, cinco igrejas, um número ainda maior de terreiros e uma escola de samba, a Independentes do Leblon, que desfilou no equivalente ao Grupo Especial em 1954.
Na imprensa dos anos 1950 e 1960, o Flamengo era muitas vezes chamado de “Clube da Praia do Pinto” e sua torcida, de “República da Praia do Pinto”. A associação não agradava alguns dirigentes do clube, como Ary Barroso. Com sete anos de idade, Adílio, da Cruzada São Sebastião, jogou com a camisa 7 do Sete de Setembro, da Praia do Pinto. Foi descoberto assim pelo Flamengo. Entre as famílias desabrigadas, estava de Julio César “Uri Geller”, futuro craque do Flamengo. Foi a partir do eixo Praia do Pinto-Cruzada São Sebastião que se forjou a amizade entre Adílio e Júlio César, colegas da geração mais vencedora da história do Flamengo.
Depoimento do ex-goleiro Renato, o “Aranha Negra”
O ex-goleiro da Seleção Brasileira, do Flamengo, Fluminense e Atlético Mineiro, Renato da Cunha Valle, hoje com 77 anos e morando em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, nascido em Copacabana, lembra muito bem do incêndio que destruiu a favela da Praia do Pinto. Ele relembrou um fato ocorrido três anos do incêndio – em 1966 – na cidade onde nasceu:
“Lembro bem da favela da Praia do Pinto.
Em janeiro de 1966, houve um temporal que inundou tudo. Jogava no Taubaté (SP) e não pude viajar porque a rodovia Presidente Dutra estava interditada. Minha tia morava na rua Dias Ferreira, no Leblon (bem perto da favela), e me falou que estava de voluntária numa escola pública que abrigou as famílias. Entrei um dia na favela da Praia do Pinto para retirar o resto do pessoal que não queria sair com medo de largar tudo para trás. Tinha lugar onde a água alcançava o sovaco. Fui para a escola onde fiz de tudo pra ajudar. Fiquei uma semana sem dormir. Era muita gente pra atender. Muitas crianças e idosos. Só fui derrubado sete dias depois, porque, estando já exausto, bebi meio copo de querosene enganado pensando ser água. Fui para casa da minha tia e dormi 24 horas seguidas. No dia seguinte consegui viajar e começar os treinos para temporada no Taubaté. Cansado ainda mas feliz por ter ajudado aquelas pessoas. Inesquecível!!!!!”
Depoimento da jornalista carioca mas residente em Brasília há muitos anos, Martha Correa:
“Emocionante o depoimento do goleiro Renato. Hoje só pensam em fama e dinheiro. Imagine o Neymar e o Gabigol salvando pessoas e pertences nas enchentes”. O ex-goleiro, muito emocionado, respondeu: Não esperava uma reação dessa. Tinha 21 anos e não conseguia ficar sem fazer nada. Tinha muita energia. Não sabia ficar parado. Obrigado pelas palavras. Deus abençoe