Tive o prazer de conhecer hoje (03.04) a jornalista Maria Helena Araújo Braun. Ela é irmã da Vera Bustamante, que atuou muitos anos no Banco do Brasil. Maria Helena foi pioneira no jornalismo esportivo no inesquecível Jornal do Brasil em 1974. Trabalhou ao longo da carreira com nomes de peso como João Saldanha, Oldemário Touguinhó, Sandro Moreira, Marcos de Castro etc … Trabalhou com Juca Kfouri na revista Placar e encerrou a carreira no Sports. Eu trabalhei cobrindo esporte no início da minha carreira em maio de 1976 no Correio Braziliense. Fiquei até 1982 quando tive a oportunidade de cobrir a Copa do Mundo da Espanha. Quando voltei, muito triste com a derrota para a Itália no Sarriá, resolvi “pendurar a chuteira” e passei a cobrir a área política. A grana era muito melhor. Bons tempos.
Segue o artigo da Maria Helena Araújo Braun:
Relógio de Pulso
Queria sim, queria muito um relógio de pulso bem pesado pra marcar os minutos que vivi, indo à praia, pegar jacaré de peito, em frente à velha e boa rua Montenegro, em Ipanema, na zona sul do Rio de Janeiro.
Tomar mate com limonada e biscoito Globo. Quando o dinheiro não dava, o vendedor tirava um “choro” na torneirinha. Ali, tête a tête, a gente sabia o nome do ambulante e nem imaginava fazer o pedido por WhatsApp, não tinha celular, nem laptop, nem lives. Live era ali mesmo, na lata, com os amigos na rua, tomando um chopp no Veloso, ao vivo e a cores, levando uma boa conversa. O celular da época era um bicho preto pesadão, dentro de casa, as vezes preso na parede. Delivery? A gente mesmo ia na padaria buscar o pão quentinho, café fresco, passado no saco de pano. E, se na rua faltasse como se comunicar, comprávamos ficha na banca.
No orelhão, ela sempre caía,mas só tinha 1 minuto pra falar. A saia do colégio a gente enrolava no cós pra ficar mais curta. Aos pais pedíamos a benção e de vez em quando podíamos dormir mais tarde, escutando Elizeth Cardoso, num vinil 78 rotações. Não tinha TV, nem cd, Spotify era coisa de lunático. Eu hein! Como era bom registrar no meu relógio de pulso, a hora da domingueira, do namorico escondido. E era preciso dar corda no bichinho, senão ele parava no tempo. Um tempo em que ler era um grande prazer, sem pressa de acabar.
Sublinhar frases importantes. Nada de control C, control V. Era na munheca mesmo. Copiar dava dor nas mãos, pesquisa dava trabalho, sem um Google pra nos tornar cultos por 15 minutos. Passou, ninguém mais lembra nem o que pesquisou.No meu relógio de pulso tinha tempo pro vizinho de porta se tornar um agregado da casa. As vezes era convidado a almoçar domingo, com direito a CocaCola família de garrafa.
Tecnologia era a chegada da televisão, com imagem chuviscada e Bombril na antena ou com uma tela colorida em frente daimagem, pra fingir que era colorida, sem Wifi,Net, Netflix. Cantar era no gogo e na afinação.Não tinha essa de base pra depois por a voz. 0 meu relógio era fiel. Adorava a hora da roda de violão na portaria do prédio, cantando Andança. Essa erainfalível.
A vida era mais pura, sem robotização, algoritmos. 0 mar, mais verde, areia mais limpa. Os bairros tinham casas bonitas com varandas. Sem essa de condomínio fechado, prédios cheios de grade, a nãocercear a liberdade.
Ser livre era viver. Rede era pra pescarsolitário, sem os 5 mil “amigos” das redes sociais. Futebol era no Maracanã, com preliminar de dente de leite e juvenis. Sem Premiére, claro. Canais de TV, só 4 ou 5.
Pra distrair a gente brincava na rua, soltava pipa, corria do polícia e ladrão, em tiros imaginários e não reais como os de hoje.
Enfim, o meu relógio um dia pifou, sem direito a conserto. Levou com ele muitas recordações vividas em minutos, segundos. Foi aposentado. Entrou em cena o digital e trouxe a reboque uma revolução, que nos enquadrou numa vida tecnológica, cada um no seu quadrado, porque além das paredes da casa, existe um inimigo mortal a nos esperar.