O texto abaixo é do meu amigo vascaíno (ninguém é perfeito) Sergio Pugliese, criador do Museu da Pelada. Vale a pena a leitura.
“O patrono Castor de Andrade reuniu o grupo e prometeu um apartamento para cada atleta em caso de vitória sobre o Coritiba, que renderia o título brasileiro de 1985 ao Bangu. E se Castor falou, tá falado, vale o escrito. Na rodinha, o ponta Marinho, no auge da forma, piscou o olho para os parceiros. Era como se dissesse “relaxem, está no papo, deixa que eu resolvo”. E Castor já desembolsara muito “bicho” para o time ao longo do campeonato, justamente por conta das belíssimas atuações do atacante, vencedor da Bola de Ouro ao fim do torneio.
Nada assustava o Bangu, nem mesmo o fato de o Coritiba ter vencido São Paulo, Cruzeiro, Santos, Corinthians, Atlético-MG e o Flamengo, de Zico & Cia, em pleno Maraca. No dia do jogo, a confiança triplicou quando os jogadores entraram no gramado e se depararam com quase 100 mil torcedores banguenses, rubro-negros, tricolores, americanos, vascaínos e alvinegros. O Rio de Janeiro abraçou o Bangu. Mas os 10 mil amantes do Coxa também marcaram presença.
Se o Bangu vencesse, talvez mudasse de patamar, o Castor abrisse o cofre, reforçasse ainda mais o elenco e distribuísse carros, apartamentos e muita grana. E o time vermelho e branco ainda tinha o xerifão Moises como técnico, cotadíssimo para comandar a seleção brasileira. Mas o Coritiba tinha o estrategista Ênio Andrade. Bem, o fato é que os apartamentos começaram a ruir aos 25 minutos do primeiro tempo quando o centroavante Índio disparou um foguete que o goleiro Gilmar procura até hoje.
O cracaço Lulinha empatou, mas, apesar da pressão e lances polêmicos, o jogo foi para os pênaltis e o Coxa foi campeão. O Maracanã chorou e Lulinha e Pingo, amigos dos tempos de Campo Grande, ficaram alguns dias sem dormir. Foram dispensados e o sonho da casa própria e de dias melhores ficaram no quase.
Há alguns dias, a equipe do Museu da Pelada esteve na Universidade da Bola, em Campinho, e quem estava lá dividindo a mesma mesa? Lulinha, Pingo e o carrasco Índio!!! Falavam sobre um projeto social que estão tocando, no Clube Coleginho, em Irajá, sobre a falta de recursos, a escassez de material esportivo e sobre todas as complicações que envolvem manter viva uma escolinha de futebol comunitária. “Tá vendo Índio, se você não faz aquele gol estaríamos milionários”, disparou Pingo, camisa 10 dos bons tempos. Índio gargalhou.
O artilheiro sequer recebeu a medalha de campeão, sumiram com todas. Nenhum deles enriqueceu, mas a amizade nesses quase 40 anos permaneceu intacta e os amigos brindaram uma, duas, três, infinitas geladas, porque eles sabem que 90% dessa geração ficou no quase em termos de cifrões. Muitos gênios do futebol pegavam barcas, trens e ônibus para treinar. Fumavam, bebiam, conviviam com os torcedores, moravam no clube, eram intensos.
Índio, Pingo e Lulinha são o retrato de um futebol que se perdeu nos escombros de algum velho estádio, soterrado pelo poderio da grama sintética. Mas, sábios, conseguiram preservar o maior diamante da vida, que nenhum apartamento jamais conseguirá substituir, que é o prazer de estar entre amigos, em um pé-sujo qualquer, lembrando que foi por um triz, por pouco, muito pouco, pouco mesmo, mas foi de verdade”.